quinta-feira

"os demónios, os demónios

Hoje foi uma arrumadora.
Típica toxicodependente de heroína que desce do Alvito ou Monsanto para arranjar uns trocos em Alcântara. Correu 100 metros para me indicar o espaço vazio que eu já tinha visto. Ajudou-me a estacionar e perguntou-me se eu ia abrir a mala do carro, porque estava muito perto da parede. Disse-lhe que não e agarrei com mais força o meu portátil de 1600 euros. Contei uns trocos. Enquanto contei os trocos ela ofegava da corrida e por momentos parecia que ia desmaiar, estava a fazer teatro para eu ter pena e lhe dar dinheiro. Resultou.
- Isto é uma maratona! - disse-me, sem os dentes de cima.
- Pois. - disse eu.
- Ah, você é como eu, também traz um livro!
Realmente, tinha os Demónios debaixo do braço. Ela tinha um livro, disse-me o título mas não identifiquei, era qualquer coisa de "alma" e "espírito".
- Do que eu gosto mesmo é de Paulo Coelho! - disse-me, procurando empatia mas fiquei convencidíssimo que me iam assaltar porque se aproximou o outro arrumador (o do cão) - Paulo Coelho. Li tudo dele. O Alquimista, Brida, o Zahir... E esse livro é o quê?
- Os Demónios, de Dostoiévski.
- Ena páaaa esse livro deve ser do caraças... "os demónios" - fez um ar muito sério. Por momentos pensei que ela distinguia Paulo Coelho de Dostoiévski, tipo "epá, tu dás-lhe na literatura dura men, dostoiévski, eu ando só aqui a na light a curtir" mas não. Enquanto ela falava eu tentava fugir, andando às arrecuas, para uma zona da rua em que me pudessem ver caso fosse esfaqueado de repente.
- Os demónios, isso é o quê, é tipo demónios que atacam pessoas?
- Não, é mais sobre jovens que têm ideais extremos e que...
- São possuídos por espíritos? É tipo espiritismo?
Aqui o arrumador do cão perguntou "o que é que se passa?" e ela disse-lhe "os demónios, este senhor está a ler os demónios". Ficaram os dois a olhar para mim, com algum respeito e pararam de me seguir. Ainda estive para perguntar se ela também lia José Luís Peixoto, Inês Pedrosa ou se ouvia o Pedro Rolo Duarte na rádio (podia ter acertado ali num filão, sei lá) mas calei-me.

Por isso crianças, não leiam Paulo Coelho, digam não à má literatura. Mesmo que algum amigo lá da escola que pareça assim fixe vos diga para experimentarem Paulo Coelho, não experimentem nunca, nem uma página, porque depois é sempre a descer e acabam como a senhora desta história."

tirado de um favorito, aqui

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