"Em que procuro demonstrar que, quando se fala de Marlon Brando, fala-se de muita coisa - por Rita Faria
Serve este texto para dizer, em primeiro lugar, que gosto muito de Marlon Brando. Acho que é um actor que mereceu e merece toda a admiração que recebe e recebeu, pois era mesmo o máximo. Vi há pouco tempo “Um Eléctrico Chamado Desejo” e ainda fiquei maior fã – a presença de Brando é dominadora e poderosa, em contraste com os delírios frágeis de Vivian Leigh (também excelente, o meu ídolo de adolescência desde que a vi como Scarlett O’Hara; Blanche Dubois impecável, magnífica).
Bom, e continuando, o visionamento do “Eléctrico…” pôs-me a pensar, devido principalmente à tal presença imponente de Marlon Brando (psicologicamente, e não ainda fisicamente, imponente, leia-se, porque nesta altura Brando era novo e lindo demais para protuberâncias físicas incomodativas). Quer dizer, o filme faz pensar em vários assuntos, mas eu escolhi este em particular, que diz respeito à dominação masculina, talvez por ter visto hoje uma mini-exposição sobre o centenário do nascimento de Simone de Beauvoir na biblioteca aqui da terra.
Stanley Kowalski, a personagem interpretada por Brando, é absolutamente repugnante. É mesmo tudo o que não se quer num homem, à excepção de uma coisa. A mulher de Stanley, Stella, mais bem educada, mais rica e mais boa pessoa do que o marido, desperdiça-se num casamento com um homem perdido porque, tal como dizem as várias críticas e comentários ao filme que tenho lido, entre ela e Stanley há uma “atracção animalesca” à qual não é possível escapar e que mantém a doce Stella unida ao porco e mau Stanley. Feio é que ele não é, no entanto, para grande desgraça de Stella. E esta tal “atracção animalesca” (que na versão restaurada do filme, que repõe as cenas que a censura obrigou a cortar nos anos 50, é perfeitamente notória, principalmente na belíssima e famosa cena em que Brando está à chuva aos berros de “Stellaaaa! Stellaaaaa!”, para a mulher voltar para ele), dizia, esta atracção animalesca justifica o domínio de Stanley, que faz o que quer em casa, que exige ser tratado como um rei e que estende o seu completo domínio (e crueldade) não apenas à mulher mas também à irmã desta, a pobre e frágil Blanche.
Porque é que isto se passa? Não sei, mas para mim a culpa é da sociedade, como dizem os preciosos jovens deste país, ou do processo de sociabilização (e esta ideia não é minha, a grande Simone de Beauvoir explica isto e muito mais n’O Segundo Sexo, ainda hoje leitura muito interessante para toda a gente, homem, mulher, machista ou feminista). Esta ideia de a mulher que atura um homem porco e mau (mas não feio) por causa da tal atracção animalesca não é nova. Encontramo-la em D.H. Lawrence (outro dos meus ídolos de adolescência), tão criticado pelas feministas ao apresentar figuras masculinas de irresistível atracção que não deixam alternativa à mulher senão a rendição. Como diz Simone de Beauvoir, os homens em DH Lawrence são sempre “faunos inquietantes” aos quais as mulheres cedem, maravilhadas, não tão distantes da também enfeitiçada Stella como à primeira vista poderá parecer. A Lawrence podem juntar-se outros autores, embora não me lembre de nenhum sem ser talvez Henry Miller, mas sei que os há e muitos, que foram apelidados de misóginos e paternalistas e convencidos de que eram melhores do que as mulheres.
De facto, a pessoa começa a pensar nisto e vêm à tona uma série de estereótipos culturais. Parece que as mulheres são levadas a pensar que só estão bem com homens confiantes, decididos, que tratem delas, e que os homens são levados a pensar que só estão bem a mandar. A própria Simone de Beauvoir teve um amante a quem, ao que parece, escreveu cartas a dizer que queria viver para ele, lavar-lhe a roupa, fazer-lhe comida (embora aqui, atenção, não tenha fontes fidedignas, lembro-me de ter ouvido isto num documentário há imenso tempo, mas já me disseram que é verdade, portanto não fui a única a ouvir); a grande Anaïs Nin não só gostava de DH Lawrence (que, realmente, não merece a má fama que tem entre as feministas, acho eu, e acho-o convictamente) como dizia também que o que queria era um homem macho, mandão, que a dominasse. O homem nasceu para mandar (ou matar, já não sei), para guerrear, já dizia o Miguel Guilherme no filme do Manoel de Oliveira, e um outro Manuel, o Manuel a. Domingos, de quem já li alguma poesia e cujo blog leio com regularidade, escreveu “deixa-te de coisas/agarra a rapariga/vais ver que ela gosta”.
Isto se calhar é verdade, sinceramente não sei se é se não; eu tenderia a dizer que não, mas esta história do homem macho tem muito que se lhe diga. Quando vi o “Eléctrico…” e se chegou à tal cena do Brando a chorar pela mulher e a gritar o seu nome à chuva, eu própria me encolhi, fiquei comovida a olhar para o ecrã a pensar “ai tão querido, um homem tão lindo a chorar….”, e na altura esqueci-me da besta que a personagem de Brando na verdade era. Portanto, eu própria sou exemplo dos estereótipos culturais que nos condicionam a vida e o pensamento, com grande pena minha.
Não consegui ainda aprender muita coisa na vida. Mas o que aprendi chegou para perceber que há mais coisas entre o homem e a mulher do que aquilo que a nossa vã filosofia consegue alcançar."
Texto retirado de um favorito: aqui
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário